Falta de chuva acende sinal de alerta para regiões Sudeste e Centro-Oeste

Pior crise hídrica em 91 anos já tem reflexos nos índices de inflação

O agravamento da crise hídrica que afeta as regiões Sudeste e Centro-Oeste do país já havia sido detectado há meses, por órgãos técnicos e por especialistas em clima e meio ambiente. No entanto, a luz vermelha acendeu com força total no início de junho, quando o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, deu o sinal de alerta.

Uma nota técnica publicada pelo órgão dizia que a porção alta da bacia do rio Paraná enfrenta uma situação de seca hidrológica “severa e excepcional” desde 2014, que agora compromete a vazão de água das grandes usinas hidrelétricas instaladas na região. O Cemaden diz que a situação das usinas de Itaipu (PR) e Jurumirim (SP) são as mais críticas. E não há sinal de chuva no horizonte, ainda mais agora, no inverno, estação tradicionalmente seca na região.

Dias depois desse primeiro sinal de alerta, foi a vez da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) se manifestar publicamente e definir como crítica a situação de escassez de recursos hídricos na bacia do Paraná. O resultado pode ser a necessidade de imposição de medidas restritivas quanto ao uso múltiplo da água, que compreende a navegabilidade, a geração de energia, a irrigação e o abastecimento humano.

O sentido de urgência fez com que o governo decidisse reduzir a vazão das usinas hidrelétricas de Jupiá e Porto Primavera, no rio Paraná, por meio de uma portaria publicada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), em edição extra do Diário Oficial da União, na sexta-feira, dia 11 de junho.

De acordo com o texto publicado, o concessionário da usina hidrelétrica Jupiá deverá iniciar imediatamente a realização de testes de redução de defluência mínima até atingir o valor de 2.300 m³/s de forma estável, a partir de 1º de julho. Hoje, a quantidade mínima de água liberada na usina é de 3.300 m³/s. No caso da hidrelétrica de Porto Primavera, a redução deve ser de 3.900 m³/s para 2.700 m³/s.

Como os especialistas analisam o cenário

A conclusão dos especialistas é que há poucas chances de recuperação dos níveis dos reservatórios e vazões nos próximos quatro meses. Desde que o país começou a medir os níveis de chuva, em 1931, ou seja, há quase 91 anos, os registros de setembro (2020) a maio (2021) nunca foram tão baixos como neste último período.

Esse cenário pressiona o governo federal, que teme uma provável queda na produção de eletricidade no país. O setor elétrico, por sua vez, receia blecautes em horários de pico, quando a demanda por energia é maior.

Mas o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, já assegurou que não há risco de o país sofrer racionamento de energia nem blecaute em função da escassez de chuvas. Ele disse, ainda, que a situação vem sendo acompanhada pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, órgão colegiado constituído no âmbito do Executivo, sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia (MME).

Os dados mais recentes (de 13/6/2021) do Operador Nacional de Energia Elétrica, ONS, indicam que, de todas as regiões brasileiras, a Norte é a que está, neste momento, com o melhor armazenamento de água nos reservatórios, 84,47%. Os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste estão com 30,82% da capacidade armazenada. A região Sul está com 60,31% e a Nordeste com 61,38%.

Impactos econômicos da seca

Como mais de 60% da matriz elétrica brasileira é composta pela energia produzida nas usinas hidrelétricas, o mercado teme por racionamento e apagão, embora o governo federal descarte essa possibilidade. De qualquer maneira, o risco de racionamento rigoroso como o de 2001 (leia “A crise do apagão”) é visto como remoto pela maior parte dos analistas.

Os impactos econômicos da falta de chuva, contudo, vão muito além da energia elétrica. A seca tem provocado quebra de safra em importantes regiões produtoras de alimentos. Vale ressaltar outros dois fatores que agravam a situação: o aumento das cotações internacionais das commodities, entre elas a soja e o milho, e o dólar caro. Com isso, os produtores têm um incentivo a mais para exportar. E com menor disponibilidade dos produtos no mercado interno, os preços sobem.

Todos esses efeitos já aparecem nos índices da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que passou de 0,31% em abril para 0,83% em maio, a maior taxa para o mês desde 1996, quando foi de 1,22%. As informações foram divulgadas no dia 9 de junho, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A energia elétrica subiu 5,37% e foi o maior impacto individual para a inflação de maio. O item respondeu por 0,23 ponto percentual da alta de 0,83% do IPCA. É um reflexo direto do acionamento da bandeira tarifária vermelha patamar 1, em maio, que acrescenta R$ 4,169 na conta de luz a cada 100 quilowatts-hora consumidos. Em junho, vigora a bandeira tarifária vermelha patamar 2, ainda mais cara, com custo adicional de R$ 6,243 para cada 100kWh consumidos.

O item alimentação e bebidas, medido pelo IPCA, também teve alta expressiva. Passou de 0,40% em abril para 0,44% em maio.

Segurança energética

Para garantir a segurança energética, o governo federal está adotando algumas medidas preventivas. Entre elas, o acionamento de praticamente todo o parque térmico brasileiro disponível (fonte mais cara para o bolso do consumidor); a importação adicional de energia da Argentina e do Uruguai, desde outubro de 2020; e a realização de leilão de termelétrica emergencial, como o que está aventado na Minuta da Medida Provisória, com o nome de Programa Prioritário de Termoeletricidade, com contratação na modalidade de Reserva de Capacidade.

Como forma de incentivar os consumidores a economizar energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a cobrança da bandeira tarifária vermelha patamar 2, inicialmente para junho, podendo ser mantida enquanto não voltar a chover nas regiões dos reservatórios. Como foi dito anteriormente, essa é a bandeira mais cara do sistema.

O sistema de bandeiras tarifárias tem quatro níveis: verde, amarelo, vermelho patamar 1 e vermelho patamar 2. O verde, acionado em condições favoráveis de geração de energia, não acarreta nenhum acréscimo à conta de luz.

Além de todas essas medidas, o Ministério de Minas e Energia se reuniu, em 4 de junho, com associações que representam consumidores empresariais de energia, a fim de discutir ações voluntárias que possam ser adotadas para contribuir com a flexibilidade da operação do Sistema Interligado Nacional (SIN).

Participaram da reunião a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), a Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape) e a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Do lado do governo, estavam presentes representantes do MME, da Aneel, do Operador Nacional de Energia Elétrica (ONS), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Uma possibilidade apresentada na reunião seria uma espécie de racionalização voluntário de energia, reduzindo a produção e mudando os turnos de trabalhadores para deslocar o consumo energético para horários fora do pico de demanda. A energia poupada seria vendida ao governo para ser usada no sistema elétrico.

Essa é uma proposta que já existe no Programa de Resposta da Demanda, entretanto, precisará de uma divulgação mais abrangente e de tratamento de algumas condições de participação no programa, como a construção de linha base.

La Niña

Entre os fatores responsáveis pela seca prolongada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do país está o fenômeno meteorológico La Niña, que entrou em atividade em setembro de 2020. A principal característica desse fenômeno é o resfriamento da superfície das águas do Oceano Pacífico, com impacto no clima de diferentes partes do mundo.

No Brasil, as regiões Norte e Nordeste tendem a ficar mais chuvosas durante a ocorrência do La Niña, enquanto que as chuvas ficam menos frequentes no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, como agora. Além disso, a estiagem no Centro-Oeste poderá agravar a ocorrência de incêndios no Pantanal.

Bacia do Rio Paraná

A bacia do Rio Paraná abrange os estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal. Com 820.000 km², inclui a região mais industrializada e urbanizada do Brasil, concentrando um terço da população.

Trata-se da bacia hidrográfica com a maior capacidade instalada de energia elétrica do país e, também, a de maior demanda, tanto de eletricidade quanto de consumo de água para o abastecimento humano, da indústria e dos sistemas de irrigação.
Ao todo, existem 57 grandes reservatórios na bacia. A usina com maior capacidade instalada é Itaipu (PR), com 14 mil megawatts (MW). Os principais afluentes que cortam a bacia do Paraná são os rios Grande, Paranaíba, Tietê, Paranapanema e Iguaçu.

A crise do apagão

No início dos anos 2000, o sistema elétrico brasileiro estava menos desenvolvido e diversificado que hoje, e dependia muito mais da geração hidrelétrica. Naquela época, mais de 80% do suprimento de energia elétrica provinha de geração hidráulica. Foi nesse período, entre os anos de 2001 e 2002, que ocorreu no Brasil a chamada "crise do apagão".

Na análise de especialistas que acompanham o setor, a crise foi consequência da falta de investimentos em geração e transmissão de energia elétrica, combinada com uma estiagem prolongada, que reduziu drasticamente os níveis dos principais reservatórios de água no país, nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. A produção de energia elétrica era insuficiente para atender ao consumo de residências, indústrias, serviços e atividades rurais.

Como resposta a essa emergência, o governo federal, na época comandado por Fernando Henrique Cardoso, implantou uma rigorosa política de racionamento, com a redução obrigatória do uso de energia. Uma das medidas foi a redução compulsória de 20% do consumo de eletricidade para toda a população das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste e parte da Região Norte. O consumidor teve que se adequar a cotas de consumo mensal de energia, sob pena de onerar ainda mais a sua conta ou sofrer corte de luz.

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